domingo, 31 de janeiro de 2010

Quietude a agitação

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Fortaleza continuou a desenvolver-se econômica e politicamente, ao contrário do resto do estado. Ocorre nas primeiras décadas do século XX um afluxo de imigrantes, embora pequeno em relação ao de outras regiões, consistindo principalmente de portugueses e sírio-libaneses. Os descendentes destes, em particular, ganharam grande destaque no comércio, como mascates, e, futuramente, na política cearenses.

Em 1913, por iniciativa da Associação dos Jornalistas Cearenses, foi inaugurada na praça Caio Prado (Praça da Sé) uma estátua de D. Pedro II. O monumento, fundido em bronze em Paris, por H. Gonot, foi uma criação do artista Auguste Maillard. A Praça é provavelmente a mais antiga da cidade e está localizada em frente à Catedral Motropolitana, entre as ruas Castro e Silva e Doutor João Moreira.

Antiga Praça do Conselho, passou a chamar-se Praça do Largo da Matriz em 1854. Em 1861, o novo nome seria Praça da Sé. A denominação durou por todo o Império. Em 1889 o nome passou a ser Praça Caio Prado. (Foto de 1915)

O sistema de transporte urbano – o bonde elétrico – foi posto em uso em 11 de dezembro de 1913, sendo que os velhos bondes, de tração animal, continuariam a frequentar a paisagem da cidade durante mais alguns anos. Os primeiros automóveis circularam na cidade em 1910 e a Praça do Ferreira era ponto de estacionamento de bondes e de carros de aluguel, concentrando intenso movimento. É a época da fundação do Centro Médico (1913), e da Faculdade de Farmácia e Odontologia (1916). É também nesse período que surge a Escola de Agronomia (1918) e o Colégio Militar do Ceará (1919).

Na observação de Sebastião Rogério Ponte, “a multiplicação de bondes (eletrificados em 1913) e de automóveis (a partir de 1910) requereu maior extensão do serviço de calçamento, redimensionamento de praças e novo comportamento no trânsito de pedestres. Como em outras cidades brasileiras, exigia-se que os passageiros estivessem vestidos com decência: paletó, gravata e sapatos. Segundo depoimentos de pessoas que viveram na cidade a partir do século XX, grande parte da população, excetuando os muito pobres, usava cotidianamente paletó (alguns de camisa inglesa ou linho e muitos de tecidos mais rústicos), o que é verificável através das fotografias da época”.

Movimento na rua Major Facundo, ao lado da Praça do Ferreira

A iluminação pública fora ampliada para outras ruas da cidade, mas continuava a mesma da época de sua inauguração, isto é, a gás carbônico. Mas nas residências, já em 1913, o gás começava a ser substituído por eletricidade que, posteriormente, também era adotada no sistema de iluminação pública.

A Praça do Ferreira se consolida como principal polo econômico, cultural e político no centro de Fortaleza. Era o denominado “coração da cidade”. Na definição do professor José Borzacchiello da Silva, “o Centro não só espelhava Fortaleza em sua Magnitude, ele era a cidade, depositário único de perfis e imagens que construíram e reforçaram a ideia de centralidade”.

Movimento na esquina das ruas Guilherme Rocha com Major Facundo, na Praça do Ferreira em 1912, onde vemos em destaque o Café do Comércio

“Polo funcional da cidade, suas principais atividades pautavam-se na administração pública, nas atividades políticas e financeiras e de entretenimento. Com um movimento extraordinário, o Centro expressava sua capacidade de excepcional praça comercial, gerador e prestador de serviços de lazer e animação. Cinemas, templos, palácios e praças sempre apinhadas de gente como a do Ferreira com seus famosos cafés”.

Apesar do progresso já alcançado pela cidade, a população preservava muitos hábitos que remetiam a costumes próprios da pequena vila. É o que lembra Raimundo Girão:

Antiga Praça Marquês de Herval em 1911, hoje Praça José de Alencar. No começo do século havia imensos jardins e, no centro da praça, um grande coreto. Ao fundo vemos a Igreja do Patrocínio

“Às tardes frescas no lado da sombra, ou às primeiras horas da noite, as célebres rodas de calçada, genuinamente nordestinas, para animadas palestras ou partidas de gamão, sadias, cordiais, enchiam os passeios ou calçadas com um sem número de cadeiras. Mas, de ordinário, não resistiam ao toque de corneta das nove horas, vindo do quartel da polícia, na Praça do Patrocínio (Praça José de Alencar), como aviso convencional para o recolhimento ao leito ou à boa rede e, segundo a pilhéria, para a saída triunfal dos percevejos”.

No âmbito político, o Ceará continuava sob comando do velho oligarca Antônio Pinto Nogueira Acióli. Segundo Sebastião Rogério Ponte, "durante todo o período de vigência da oligarquia aciolina (1896-1912), a intendência da capital ficou a cargo do coronel Guilherme Rocha, considerado pela historiografia cearense um dos administradores municipais que mais fizeram pelo embelezamento e melhoramento da cidade: 'o aformoseamento fortalezense havia encontrado no intendente Guilherme César da Rocha o mentor persistente durante 20 anos (...). Homem de fino trato integrado na vida social elegante, procurava transformar velhos hábitos por via da modificação física do ambiente urbano".

Passeio Público (antiga Praça dos Mártires) em foto de 1918.

Revolta popular

Em 1912, numa conturbada e violenta campanha eleitoral no Ceará, foi lançada a candidatura de Franco Rabelo para o governo, enquanto Accioli apontava como seu candidato Domingos Carneiro. Em Fortaleza, houve uma passeata de crianças em favor de Franco Rabelo, a qual foi reprimida duramente pelas forças policiais, causando a morte de algumas crianças e ferindo outras tantas.

Barricadas contra o governador Nogueira Accioly em 1912

Em consequência, a população fortalezense se revoltou contra o governo, mergulhando a capital em verdadeiro estado de guerra civil durante três dias.

Vejamos o testemunho de Otacílio de Azevedo. “Participei da inesquecível passeata em repúdio aos atos vandálicos da polícia (...). Ao dobrar a Rua General Sampaio rumo à Praça do Ferreira, fomos atacados pela cavalaria. O povo reagiu: estavam todos armados e municiados. Das cornijas dos prédios partiam balas de todas as direções. Toda a província virou uma praça de guerra. O povo assaltou as casas de vendas de armas. Assisti ao arrombamento da Casa Villar. Era um verdadeiro delírio. Todos alimentados pelo mesmo espírito de revolta, de justiça e de vingança (...). “Era uma avalancha de homens, mulheres e até crianças que avançavam numa onda compacta, derrubando tudo à sua passagem, avançando sempre para frente, não importando os obstáculos. Vi um sujeito arrancar, sozinho, um combustor de luz carbônica da Praça do Ferreira! (...). “Três dias e três noites as balas sibilaram".

Destroços do quebra-quebra na Avenida Franco Rabelo, uma das alamedas da Praça Marquês de Herval (atual José de Alencar) em 24 de janeiro 1912

Nogueira Accioli teve, então, que renunciar ao governo cearense, tendo como garantia o direito de permanecer vivo e poder fugir do Estado. Franco Rabelo foi eleito para governar o Ceará logo em seguida, mas acabou sendo deposto por outra revolta, a Sedição de Juazeiro, entre 1913 e 1914.

4 comentários:

  1. Meus cumprimentos ao autor deste blog, e que pena a cidade ter se transformado nesse monstro de cimento e asfalto.
    Como deveria ser lindo e gostoso morar nessa cidade.
    Puxa o que nós fizemos com a Fortaleza "realmente bela".
    Quando Fortaleza, fez aniversário, eu acho 150 anos, o Jornal O Povo lançou fasciculos explicando passo a passo, o início, desenvolvimento e atualidade da cidade. E agora com essas imagens e fotos deste blog, consigo viajar no tempo.
    Parabéns.

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  2. Bravíssimo ao autores deste magnífico Blog, Carlos Augusto e Lucio Flavio. Não escondo que amo o Blog da Leila Nobre, minha grande amiga, mas são 2 blogs bem diferentes. Parabéns, Fortaleza merece ser homenageada e mostrar a todos o quanto foi Bela quando jovem...Pena que a mão dos homens a destruiu...hoje só resta mesmo saudades e lembranças. Por isso devemos mostrar às nossas próximas gerações como era a nossa Fortaleza Bela antigamente.
    Eu gostaria muito de ver fotos e relatos sobre as antenas de telégrafos da Praia de Iracema.
    Eu brinquei muito quando criança, nas sapatas das antenas, o que sobrou delas. Eram "meus trampolins"...Agora estão enterradas para sempre e ninguém conhece sua história - são históricas mesmo ! Bravo mais uma vez.
    Joanna A Dell'Eva
    Fortaleza 14-11-2011

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  3. Como é linda a história desta cidade,bela e maravilhosa.Sou mais um cearense orgulhoso de ter nascido nesta loira linda desposada do sol.

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  4. NÃO VIVI NAQUELE TEMPO, MAS VEJO QUE O PROGRESSO TEM O DOM DE DESTRUIR O QUE HÁ DE MELHOR NA VIDA DE UMA CIDADE: A CALMA, TRANQUILIDADE, BELEZAS NATURAIS...
    UM DIA TAMBÉM VAMOS SNTIR SAUDADES DOS TEMPOS ATUAIS,COM TUDO QUE ELE NOS OFERECE DE BOM E DE RUIM. ELES TBM SE TORNARÃO PASSADO E NÓS APARECEREMOS EM FOTOS COMO ESTAS ACIMA, COMO PESSOAS QUE VIVERAM NESSE TEMPO E ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE... PARA O FIM

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