domingo, 31 de janeiro de 2010

Quietude a agitação

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Fortaleza continuou a desenvolver-se econômica e politicamente, ao contrário do resto do estado. Ocorre nas primeiras décadas do século XX um afluxo de imigrantes, embora pequeno em relação ao de outras regiões, consistindo principalmente de portugueses e sírio-libaneses. Os descendentes destes, em particular, ganharam grande destaque no comércio, como mascates, e, futuramente, na política cearenses.

Em 1913, por iniciativa da Associação dos Jornalistas Cearenses, foi inaugurada na praça Caio Prado (Praça da Sé) uma estátua de D. Pedro II. O monumento, fundido em bronze em Paris, por H. Gonot, foi uma criação do artista Auguste Maillard. A Praça é provavelmente a mais antiga da cidade e está localizada em frente à Catedral Motropolitana, entre as ruas Castro e Silva e Doutor João Moreira.

Antiga Praça do Conselho, passou a chamar-se Praça do Largo da Matriz em 1854. Em 1861, o novo nome seria Praça da Sé. A denominação durou por todo o Império. Em 1889 o nome passou a ser Praça Caio Prado. (Foto de 1915)

O sistema de transporte urbano – o bonde elétrico – foi posto em uso em 11 de dezembro de 1913, sendo que os velhos bondes, de tração animal, continuariam a frequentar a paisagem da cidade durante mais alguns anos. Os primeiros automóveis circularam na cidade em 1910 e a Praça do Ferreira era ponto de estacionamento de bondes e de carros de aluguel, concentrando intenso movimento. É a época da fundação do Centro Médico (1913), e da Faculdade de Farmácia e Odontologia (1916). É também nesse período que surge a Escola de Agronomia (1918) e o Colégio Militar do Ceará (1919).

Na observação de Sebastião Rogério Ponte, “a multiplicação de bondes (eletrificados em 1913) e de automóveis (a partir de 1910) requereu maior extensão do serviço de calçamento, redimensionamento de praças e novo comportamento no trânsito de pedestres. Como em outras cidades brasileiras, exigia-se que os passageiros estivessem vestidos com decência: paletó, gravata e sapatos. Segundo depoimentos de pessoas que viveram na cidade a partir do século XX, grande parte da população, excetuando os muito pobres, usava cotidianamente paletó (alguns de camisa inglesa ou linho e muitos de tecidos mais rústicos), o que é verificável através das fotografias da época”.

Movimento na rua Major Facundo, ao lado da Praça do Ferreira

A iluminação pública fora ampliada para outras ruas da cidade, mas continuava a mesma da época de sua inauguração, isto é, a gás carbônico. Mas nas residências, já em 1913, o gás começava a ser substituído por eletricidade que, posteriormente, também era adotada no sistema de iluminação pública.

A Praça do Ferreira se consolida como principal polo econômico, cultural e político no centro de Fortaleza. Era o denominado “coração da cidade”. Na definição do professor José Borzacchiello da Silva, “o Centro não só espelhava Fortaleza em sua Magnitude, ele era a cidade, depositário único de perfis e imagens que construíram e reforçaram a ideia de centralidade”.

Movimento na esquina das ruas Guilherme Rocha com Major Facundo, na Praça do Ferreira em 1912, onde vemos em destaque o Café do Comércio

“Polo funcional da cidade, suas principais atividades pautavam-se na administração pública, nas atividades políticas e financeiras e de entretenimento. Com um movimento extraordinário, o Centro expressava sua capacidade de excepcional praça comercial, gerador e prestador de serviços de lazer e animação. Cinemas, templos, palácios e praças sempre apinhadas de gente como a do Ferreira com seus famosos cafés”.

Apesar do progresso já alcançado pela cidade, a população preservava muitos hábitos que remetiam a costumes próprios da pequena vila. É o que lembra Raimundo Girão:

Antiga Praça Marquês de Herval em 1911, hoje Praça José de Alencar. No começo do século havia imensos jardins e, no centro da praça, um grande coreto. Ao fundo vemos a Igreja do Patrocínio

“Às tardes frescas no lado da sombra, ou às primeiras horas da noite, as célebres rodas de calçada, genuinamente nordestinas, para animadas palestras ou partidas de gamão, sadias, cordiais, enchiam os passeios ou calçadas com um sem número de cadeiras. Mas, de ordinário, não resistiam ao toque de corneta das nove horas, vindo do quartel da polícia, na Praça do Patrocínio (Praça José de Alencar), como aviso convencional para o recolhimento ao leito ou à boa rede e, segundo a pilhéria, para a saída triunfal dos percevejos”.

No âmbito político, o Ceará continuava sob comando do velho oligarca Antônio Pinto Nogueira Acióli. Segundo Sebastião Rogério Ponte, "durante todo o período de vigência da oligarquia aciolina (1896-1912), a intendência da capital ficou a cargo do coronel Guilherme Rocha, considerado pela historiografia cearense um dos administradores municipais que mais fizeram pelo embelezamento e melhoramento da cidade: 'o aformoseamento fortalezense havia encontrado no intendente Guilherme César da Rocha o mentor persistente durante 20 anos (...). Homem de fino trato integrado na vida social elegante, procurava transformar velhos hábitos por via da modificação física do ambiente urbano".

Passeio Público (antiga Praça dos Mártires) em foto de 1918.

Revolta popular

Em 1912, numa conturbada e violenta campanha eleitoral no Ceará, foi lançada a candidatura de Franco Rabelo para o governo, enquanto Accioli apontava como seu candidato Domingos Carneiro. Em Fortaleza, houve uma passeata de crianças em favor de Franco Rabelo, a qual foi reprimida duramente pelas forças policiais, causando a morte de algumas crianças e ferindo outras tantas.

Barricadas contra o governador Nogueira Accioly em 1912

Em consequência, a população fortalezense se revoltou contra o governo, mergulhando a capital em verdadeiro estado de guerra civil durante três dias.

Vejamos o testemunho de Otacílio de Azevedo. “Participei da inesquecível passeata em repúdio aos atos vandálicos da polícia (...). Ao dobrar a Rua General Sampaio rumo à Praça do Ferreira, fomos atacados pela cavalaria. O povo reagiu: estavam todos armados e municiados. Das cornijas dos prédios partiam balas de todas as direções. Toda a província virou uma praça de guerra. O povo assaltou as casas de vendas de armas. Assisti ao arrombamento da Casa Villar. Era um verdadeiro delírio. Todos alimentados pelo mesmo espírito de revolta, de justiça e de vingança (...). “Era uma avalancha de homens, mulheres e até crianças que avançavam numa onda compacta, derrubando tudo à sua passagem, avançando sempre para frente, não importando os obstáculos. Vi um sujeito arrancar, sozinho, um combustor de luz carbônica da Praça do Ferreira! (...). “Três dias e três noites as balas sibilaram".

Destroços do quebra-quebra na Avenida Franco Rabelo, uma das alamedas da Praça Marquês de Herval (atual José de Alencar) em 24 de janeiro 1912

Nogueira Accioli teve, então, que renunciar ao governo cearense, tendo como garantia o direito de permanecer vivo e poder fugir do Estado. Franco Rabelo foi eleito para governar o Ceará logo em seguida, mas acabou sendo deposto por outra revolta, a Sedição de Juazeiro, entre 1913 e 1914.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Um novo momento

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No final do Século XIX Fortaleza consolida-se como centro urbano de importância regional e como capital do Estado, apesar da vicissitude das secas e do enorme êxodo rural. Em 1895, Antônio Bezerra descreve Fortaleza como uma cidade de 985.000 km² com 34 ruas no sentido Norte-Sul, 27 ruas no sentido nascente-poente e 14 praças. Nesse mesmo ano, de acordo com o professor Geraldo Nobre, “contando com 14 estabelecimentos de panificação e massas alimentícias, 9 tipografias e oficinas diversas, a capital cearense possuía, naquela ano de 1895, nada menos de 150 instalações industriais, embora na maioria de pequeno porte”.

Café do Comércio situado na Praça do Ferreira, na esquina das ruas Guilherme Rocha e Major Facundo. (Cartão colorizado do início do Século XX)

Os números do recenseamento de 1900 indicam que Fortaleza tinha exatos 48.369 habitantes, e chegaria ao final da década de 1910 como a sétima cidade em população do Brasil. Em 1911, segundo Divisão Administrativa, a capital do Ceará compunha-se dos distritos de Fortaleza e Patrocínio.

A capital melhora sensivelmente o seu aspecto urbano e passa a tomar medidas de higienização social e de saneamento ambiental, além de executar um plano de reformas urbanas com a implantação de jardins, cafés, coretos e monumentos, e a construção de edifícios seguindo padrões estéticos europeus. Verificam-se grandes inversões na área industrial e principalmente nos sistemas de transporte.

“Todavia, – lembra Raimundo Girão – outros problemas essenciais não encontravam solução, como o do abastecimento d’água e o da rede de esgotos. Continuava a cidade a suprir-se do precioso líquido, retirando-o em cacimbas escavadas nos quintais das casas e elevada por moinhos de vento a rodarem desesperadamente dia e noite. Pelo seu crescido número, às centenas, ofereciam esses cataventos sugestivo aspecto a quem observasse a cidade de qualquer ponto mais saliente”.

Vista da Igreja do Carmo em 1910. Ao fundo, pode-se ver os limites habitados a oeste da cidade e, à esquerda, a Avenida Duque de Caxias sem pavimentação. (postal colorizado à mão)

Com um crescimento acelerado, Fortaleza, por volta de 1910, exportava pelo porto do Mucuripe matérias-primas de origem vegetal e animal, cera de carnaúba, óleo de oiticica, mamona, babaçu e algodão, peles de animais silvestres e domésticos. Na via oposta, eram importados itens industrializados, máquinas, automóveis, tecidos de lã e linho, ferro, aço, medicamentos, carvão, chumbo e cimento. Também data desse período a construção dos primeiros prédios com mais de quatro andares.

Na virada do século o intendente de Fortaleza era o Coronel Guilherme Rocha (1892-1912). Para muitos historiadores, depois do boticário Ferreira, foi ele quem mais se empenhou na urbanização de Fortaleza, inaugurando em 1902, por exemplo, os jardim da Praça do Ferreira. Várias outras praças que eram tomadas de arbustos e capins também foram ajardinadas pelo novo intendente.

Início da Rua Major Facundo, na altura do Passeio Público

Em 21 de fevereiro de 1903 foi criada a Faculdade de Direito do Ceará, sendo a primeira instituição de ensino superior do Estado. A faculdade surgiu antes mesmo da própria Universidade Federal do Ceará, com o nome de "Academia Livre de Direito do Ceará". A reunião de fundação ocorreu na Associação Comercial do Ceará e nela foi aclamado primeiro diretor Antônio Pinto Nogueira Accioly.

O Curso começou a funcionar no andar superior do antigo prédio da Assembleia Legislativa, hoje Museu do Ceará, situado na Praça dos Leões. O prédio onde atualmente está localizada a Faculdade, situado à Rua Meton de Alencar, de frente para a Praça Clóvis Beviláqua, foi inaugurado em 12 de março de 1938.

Praça do Palácio em cartão clorizado de 1910. À direita, a estátua do General Tibúrcio, cearense herói da guerra do Paraguai que, posteiormente, daria nome à própria Praça que, com o tempo. ficaria conhecida apenas como Praça dos Leões

Conforme depoimento do professor Álvaro Costa, "foi a criação da Faculdade de Direito instrumento poderoso de democratização da cultura superior, pondo ao alcance de maior número a educação universitária adstrita antes ou a famílias abastadas, que podiam custear os seus filhos em outras terras, ou àqueles espíritos superiores, pobres de dinheiro, mas ricos de vontade, que se aventuravam aos centros adiantados em busca de saber, a troco de incertezas e amarguras".

No âmbito do espaço urbano formal, as novidades também eram notáveis. Segundo o pesquisador Sebastião Rogério Ponte, “paralelas às obras erguidas pelos poderes públicos e pelo capital, as camadas afluentes fizeram surgir novas lojas, hotéis, clubes, mansões e chácaras. Prevaleceu nestas construções o ecletismo arquitetônico, estilo de arquitetura dominante na Europa desde meados do século XIX e então em voga no Brasil republicano. Tais edificações e a arquitetura eclética que as acompanhava, na apreciação de um conspícuo arquiteto de nossos dias, conferiam ao conjunto urbano de Fortaleza uma notável unidade Formal, gradativamente destruída depois de 1930”.

A foto data de 1910. É o palacete Guarani, construído e inaugurado em 20 de dezembro de 1908, funcionando nos altos a Associação Comercial do Ceará e no térreo o London Bank a partir de 1910. O prédio fica na rua Barão do Rio Branco com Senador Alencar, mas foi totalmente descaracterizado.

Exemplo dessa arquitetura é o prédio do Palacete Guarani, na esquina das ruas Senador Alencar com Barão do Rio Branco. Antes, segundo o Portal da História do Ceará, existia no local "o matadouro de Fortaleza, cujo caminho para o mercado era chamado de rua das Hortas (Rua Senador Alencar). Depois, foi construído no local o sobrado do coronel José Eustáquio Vieira, onde residiu o comendador Luiz Ribeiro da Cunha, seu genro, até incendiar-se em 1902. O terreno foi então adquirido pelo Barão de Camocim que trouxe de Paris uma planta e fez construir o Palacete Guarani. Como o Barão de Camocim era o presidente da Associação Comercial, a mesma passou a funcionar ali, nos altos. Em 1925 o London Bank deixa o prédio e o Banco dos lmportadores passou a funcionar na parte térrea e o Clube dos Diários nos altos. Lá também esteve a Boate Guarani".

Em 1905, no dia 24 de junho, inaugurava-se a sede própria da associação de nome de Fênix Caixeiral, fundada por um grupo de empregados do comércio de Fortaleza. Ficava na praça José de Alencar, na esquina das Ruas General Sampaio com Guilherme Rocha. Durante várias décadas, a então "Phenix Caixeiral" desempenhou papel relevante na sociedade. Congregava gente como contadores, despachantes de alfândegas, leiloeiros, corretores, empregados de bancos e uma quase infinidade de classes trabalhadoras.
Sede da antiga Fênix Caixeiral na esquina das ruas Guilherme Rocha e General Sampaio, em 1910 (Postal colorizado à mão)

Em 1915 foi inaugurada a segunda sede, desta feita na esquina da mesma Rua Guilherme Rocha com a Rua 24 de Maio. Nos dois prédios funcionavam a Escola de Comércio (a primeira de Fortaleza a ter aulas à noite), o Cine-Teatro Fênix, a Biblioteca Social, o Pátio de Diversões, o Campo de Cultura física, Assistência Médica, Dentária e Judiciária, o Tiro de Guerra, o Dispensário Profilático e, a partir de 1926, o Banco de Crédito Caixeiral. Durante a revolução de 1930, manteve a Guarda Cívica Fenista.

A primeira década do século chegava ao fim trazendo algumas novidades que foram incorporadas ao cotidiano da cidade e passariam a fazer parte do universo cultural do povo de Fortaleza. Em 1909, foi inaugurado o Cinema Rio Branco, na rua do mesmo nome. No ano seguinte foi a vez do Theatro José de Alencar que, inaugurado oficialmente em 17 de junho, tornou-se o principal espaço cultural da cidade. Nessa época, Julio Pinto abriu o Cassino Cearense, na Rua Major Facundo. Mas foi a chegada do primeiro automóvel que, literalmente, assustou os fortalezenses. É o que conta Marciano Lopes:
Igreja do Rosário e vista parcial da Praça dos Leões em registro de 1908. A data, porém, talvez não esteja correta, uma vez que na foto aparece um automóvel. Mas Fortaleza, segundo sabemos, só veio a testemunhar o primeiro carro em 1909. Fica, portanto, a dúvida

"Na madrugada do dia 28 de março de 1909, a pacata cidade de Fortaleza acordou sobressaltada. Por volta das 22 horas um barulho desconhecido se fazia ouvir e crescia, perturbando as silenciosas ruas de pedras toscas. Das janelas, olhares curiosos, perplexos, face a uma visão jamais imaginada ali. Um veículo estranho, tão pertinho de todos a se mover lentamente, conduzindo alguns cavalheiros elegantes e respeitados da época. Clóvis Meton, Dr. Meton de Alencar, Dr. Gadelha e Júlio Pinto inauguravam, visivelmente emocionados, o primeiro carro a motor de Fortaleza, o “rambler”.

Neste cartão postal colorizado à mão e editado em 1909, vemos a Rua Formosa, (Atual Barão do Rio Branco) no sentido Passeio Público, como um retrato da cidade antes do aparecimento do primeiro automóvel

Duas Fortalezas

O novo século chega e com ele a certeza de que o progresso experimentado pela cidade não será em benefício de todos. A ampliação dos bolsões de pobreza nos arredores de Fortaleza já era uma realidade, principalmente em virtude do flagelo das secas e do êxodo rural que anualmente expulsava milhares de trabalhadores rurais do campo rumo aos centros urbanos. Nessa época, Fortaleza já era o principal destino dos desvalidos.

Trecho da antiga Praia Formosa onde hoje situa-se o Marina Park. Aqui podemos ver a linha férrea que seguia para o porto e dividia, de um lado um aglomerado de habitações precárias e, de outro, a zona urbana e póspera da cidade

Nas palavras de Frederico de Castro Neves, "a necessidade que começa a se formar nesse instante é de manter os retirantes fora de um limite de contato, longe dos espaços públicos frequentados principalmente pelas elites aburguesadas da capital.(...) cada vez mais esta necessidade se manisfestará, alcançando as atitudes individuais e coletivas, isoladas ou institucionalizadas. (...).Controlar os movimentos dos retirantes, impedir sua livre circulação pelas cidades e até por todo o território do estado, vai ser a principal medida a ser implementada pelos governos provinciais ou estaduais desde então".

Por outro lado, a cidade via cada vez mais fortalecida a elite formada principalmente pelos grandes comerciantes locais e seus agregados, que se sentiam incomodados em ter que “compartilhar” o “seu” espaço urbano com gente de “classe inferior”. Foi a partir daí que os mais ricos começaram a se afastar do centro da cidade, passando a ocupar lugares então considerados mais distantes como o Benfica, Jacarecanga, Praia de Iracema e, posteriormente, Aldeota.

O presidente da província do Ceará, Caio Prado (no centro do grupo) e seus amigos na chácara do livreiro Guálter Silva, no Benfica. A foto é de 1888 ou 1889

Entre os anos de 1888 e 1889, o próprio presidente da Província do Ceará, Caio Prado, foi um dos principais incentivadores da migração de cearenses para outras regiões do país.

Noticiais de jornais da época davam conta que em apenas dois vapores da Companhia Brasileira, embarcaram 2.720 emigrantes; outro jornal revelava que no período entre 19 de setembro a 12 de janeiro do ano seguinte, deixaram a província 5641 pessoas com destino ao sudeste e 2421 cearenses foram para o Norte.

Avenida Caio Prado no Passeio Público, que era frequentada pela elite da cidade

A desigualdade e a divisão social estavam presentes até mesmo naquelas obras construídas para serem espaços públicos de lazer e recreação. É o que diz Sebastião Rogério Ponte, quando relata que o Passeio Público foi edificado para ser “lugar de recreação para todos ... mas separadamente”. Elaborado em três planos, a área central era frequentada apenas pelas elites, pelas pessoas de classe, cheias do dinheiro, ao passo que os outros dois planos eram reservados para as classes médias e populares. Obviamente, não existia nenhuma determinação oficial, dividindo o Passeio por tipos de frequentadores; a separação ocorria naturalmente, como assim acontecia nos cafés da Praça do Ferreira. Lá ia todo tipo de gente. Mas nem todo mundo era bem-visto.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Fortaleza na Belle Époque

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A elite formada notadamente por comerciantes e profissionais liberais vindos de outras regiões brasileiras e do exterior ajudou a promover mudanças importantes em Fortaleza. De influência europeia e guiada por ideais de civilidade, esse contingente teve atuação destacada. O período da vida da cidade compreendido entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX, que foi amplamente influenciado pelas ideias de modernidade estética e comportamental, especialmente francesas, ficou conhecido como Belle Époque.

Como explica Sebastião Rogério Ponte, Belle Époque é um “termo francês cunhado para traduzir a euforia européia com as novidades decorrentes da revolução científico-tecnológica (1850-1870 em diante). Com efeito, esse período, momento fundante do nosso mundo contemporâneo, é marcado por um intenso fluxo de mudanças que não só produziu transformações de ordem urbana, política e econômica, como também afetou profundamente o cotidiano e a subjetividade das pessoas, alterando seus comportamentos e condutas, seus modos de perceber e de sentir”.

Jardins 7 de Setembro na Praça do Ferreira. (Cartão colorizado do início do Século XX)

Segundo Rogério Ponte, "no que toca a Fortaleza, o processo remodelador que significou sua inserção na belle époque teve como base econômica as grandes exportações de algodão, através de seu porto, a partir da década de 1860. Daí em diante, a capital cearense acumulou capital, expandiu-se em todos os sentidos – comercial, populacional, espacial, cultural etc. – e tornou-se, ainda no final do século XIX, o principal centro urbano do Ceará e um dos oito primeiros do Brasil. Empolgados com esse crescimento, a burguesia enriquecida com as vendas do algodão, negociantes estrangeiros radicados na cidade, médicos e demais elites políticas e intelectuais procuraram modernizar a cidade por meio de reformas e empreendimentos que a alinhassem aos padrões materiais e estéticos das grandes metrópoles ocidentais."

Rua Barão do Rio Branco no início do século XX

"Fortaleza inicia sua belle époque na década de 1880 mesmo, absorvendo com imediatez algumas inovações que acabavam de despontar nos centros de referência, o que demonstra o estreito contato que a capital tinha com a Europa."

A cidade incorporou equipamentos urbanos (bondes, fotografia, telégrafo, telefone, praças, boulevards e cafés) que causaram sensação. O Passeio Público, no Centro, foi um deles. Com jardins floridos, árvores frondosas, lagos artificiais, estátuas de deuses mitológicos e visão privilegiada do mar, o espaço virou ponto de encontro das elites, sendo passarela para o desfile de elegantes e cenário de sociabilidade.

Início da Rua Major Facundo, no Passeio Público, onde vemos, à direita, o Hotel de France no começo do século XX

A Praça do Ferreira recebeu amplos jardins - com gradil e adornos idênticos ao do Passeio Público - e cafés ao estilo francês. Frequentadores desses cafés (Java, Fênix, Bien-Bien Garapière, do Comércio) contemplavam fascinados os jardins da Praça do Ferreira, enquanto as senhoras renovavam os seus guarda-roupas nas famosas lojas Maison Art-Nouveau e Torre Eiffel.

Fortaleza se encheu de sobrados, palacetes e mansões que ornamentaram o novo perfil urbano da cidade. A exemplo de outras cidades ditas civilizadas, Fortaleza tinha a Cidade Luz como referência de modernidade. Dessa forma, a Capital foi arrebatada por uma febre de afrancesamento. Ser moderno era acompanhar as modas vindas de Paris, usar expressões em francês e abrir lojas com nomes franceses.

Cartão postal colorizado à mão no qual se vê a Rua Major Facundo, na altura da Praça do Ferreira, em 1909

O período que se seguiu à proclamação da República foi marcado por anos politicamente conturbados e o Ceará viveu os reflexos desses tempos de golpes e revoltas. O governador José Clarindo de Queiroz foi deposto em 16 de fevereiro de 1892 pela força do golpe de Floriano Peixoto, que queria fora dos governos estaduais todos os aliados de Deodoro da Fonseca. Alunos da escola militar e da marinha, usando canhões e metralhadoras, cercaram o palácio do governo e exigiram a renúncia do governador. Clarindo de Queiroz dispôs- se a resistir. Na manhã de 17 de fevereiro, com o palácio crivado de balas, Clarindo de Queiroz, sem munição, rendeu- se e entregou o cargo ao Coronel Bezerril, então comandante do Colégio Militar de Fortaleza.

Em 16 de fevereiro de 1892, militares armados preparam-se para atacar o palácio do governo e exigir a renúncia do governador Clarindo de Queiroz. (Este é, possivelmente, o registro mais antigo de uma cena urbana de Fortaleza).

Após o movimento armado que depôs Clarindo de Queirós, o Vice-Governador Major Benjamin Liberato Barroso, em 18 de fevereiro de 1892, dissolveu o Congresso Constituinte Cearense e convocou um novo Congresso com poderes ilimitados e constituintes para reorganizar o Estado do Ceará sobre as bases da Constituição promulgada a 16 de junho de 1891.

Mas, segundo Raimundo Girão, “é no terreno espiritual e cultural que vem acentuar-se a estimulação francesa, principalmente graças aos fluxos de duas eficientes instituições de ensino e educação: o Seminário Arquidiocesano e o Colégio da Imaculada Conceição, ambos em Fortaleza.”.

O Pão do Espírito

Nas duas últimas décadas do século XIX Fortaleza viveu movimentos sociais e culturais marcantes como a Padaria Espiritual e o movimento abolicionista, nas décadas de 1870 e 1880 que culminou na libertação dos escravos no Ceará, em 25 de março de 1884, quatro anos antes de a abolição ser oficialmente decretada em todo o país, em 13 de maio de 1888.

Fac-símile do jornal "O Pão" editado pela Padaria Espiritual

Foi nesse período de efervescência cultural e política que surgiram os famosos cafés na Praça do Ferreira, praça que juntamente com o Passeio Público eram os principais pontos de diversão dos jovens fortalezenses, assim como local de reunião de intelectuais e artistas.

O movimento literário Padaria Espiritual, surgido em 30 de maio de 1892, foi pioneiro na divulgação de ideias modernas na literatura no Brasil. Tinham por influencia grandes nomes da literatura nacional e mundial. A cada domingo, um jornalzinho de oito páginas chamado O Pão era "amassado" e distribuído à população.

Café Java, berço do movimento Padaria Espiritual

Tida por eles próprios como uma agremiação de rapazes e letras, a Padaria nasceu em um famoso quiosque da Praça do Ferreira, o Café Java. Antônio Sales idealizador e o responsável principal pela originalidade da agremiação junto a Lopes Filho, Ulisses Bezerra, Sabino Batista, Álvaro Martins, Temístocles Machado e Tibúrcio De Freitas compunham o grupo dos que frequentavam o Café Java e fundaram a agremiação.

O programa de instalação foi escrito por Antônio Sales o qual foi transcrito em um jornal da então capital federal, o Rio de Janeiro, o que deu notoriedade ao movimento. Seu lema era "alimentar com pão o espírito dos sócios e da população em geral". Os Padeiros fizeram circular 36 números de O Pão, até que em dezembro de 1898, depois de seis anos de atividades, a Padaria fecha.

No centro da Foto, sentado à esquerda da mesa, o poeta Antônio Sales. Do outro lado da Mesa, Waldemiro Cavalcante. Em pé, entre os dois, Rodolfo Teófilo. Á esquerda de Rodolfo Teófilo, o escritor José Nova, e na estrema esquerda, Papi Júnior. (Acervo do MIS)

Paralelamente ao movimento da Padaria acontece a fundação da Academia Cearense de Letras, 15 de agosto de 1896. Trata-se da primeira Academia de Letras do país, antes, portanto da fundação da própria Academia Brasileira de Letras.

No entendimento do professor Geraldo Nobre "a iniciação literária, no Ceará, liga-se ao Liceu, que começou a funcionar em 1845, mais do que a influências exteriores, e, por motivos óbvios, teve nos jornais o instrumento principal, visto como os jovens não dispunham de meios para publicar livros. O movimento alcançou maior intensidade no decênio 1870-1879, quando o cearense José de Alencar, na Corte, já se havia firmado como um dos mais insignes homens de letras do Império oferecendo-se à imitação de seus conterrâneos".

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A incipiente modernização

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Fortaleza começava, timidamente, a assumir um semblante de cidade moderna. A tentativa de disciplinamento do espaço urbano já projetava, a essa altura, a expansão da capital cearense para muito além da área efetivamente construída. Por outro lado, no novo modelo de arruamento, começavam a se multiplicar os sobrados com dois andares e surgir os primeiros de três pavimentos, desmentindo a crença de que o terreno de Fortaleza não suportava edificações que não fossem térreas.

Em 1875, Adolfo Herbster elaborou a Planta Topográfica da Cidade de Fortaleza e Subúrbios, considerada o marco inicial da modernização urbana da capital cearense. Inspirado nas realizações da prefeitura de Paris, então gerida pelo Barão de Haussmann, Herbster dotou a cidade de três bulevares, nas atuais avenidas Imperador, Duque de Caxias e D. Manoel, e consolidou o alinhamento de ruas segundo o traçado em xadrez, ampliando-o muito além da área construída, de forma a disciplinar a expansão da cidade e a facilitar o fluxo de pessoas e produtos.

A última contribuição de Adolfo Herbster, já aposentado, para o planejamento urbano cearense data de 1888, com a "Planta da Cidade de Fortaleza Capital da Provincia do Ceará" (ver acima), impressa em París, na qual reafirma a concepção topográfica da planta de 1875.

Em 1877, tem início a chamada Grande Seca de 1877-1879, um dos mais severos períodos de seca prolongada da história cearense, levando à morte milhares de pessoas e acarretando a migração maciça de retirantes. Fortaleza recebeu uma população de fugitivos da seca quatro vezes maior que a sua própria.

Flagelados da seca que atingiu o Ceará nos anos 1877 e 1878

A partir de 1880, a cidade ganhou novos serviços e equipamentos urbanos, como o transporte coletivo por meio de bondes com tração animal (conhecidos como bondes de burros), o serviço telefônico, caixas postais, o cabo submarino para a Europa, a construção do primeiro pavimento do Passeio Público e a instalação da primeira fábrica de tecidos e fiação. Em paralelo, surgiram os primeiros jornais e instituições educacionais e culturais.

Apesar do visível crescimento, a cidade ainda não possuía um porto para exportar produtos como algodão e café. Isto impulsionou muitos estudos e projetos. O mais conhecido é de Charles Neate, datado de 1870, o qual incluía a construção de um quebra-mar, um canal, um porto, uma ponte de acesso ao litoral.

Planta de 1870 elaborada por Charles Neate para o projeto do Porto do Ceará

Em 1883, a empresa inglesa "Ceara Harbour Corporation Limited" iniciou as construções da futura estrutura portuária de Fortaleza. Neles também estava incluído o prédio da Alfândega. Porém a construção do quebra-mar iniciou-se somente em 1887, devido às grandes dificuldades para obtenção da pedra necessária às obras e acumulo de areia causada pela ação dos ventos, na bacia abrigada pelo quebra-mar.

Em 1897, essas obras foram suspensas, quando o quebra-mar já alcançava 432 metros. Devido ao fracasso do projeto, as condições de serviço de embarque e desembarque no antigo porto tornaram-se intoleráveis para os viajantes e para o comércio.


O trem

Naqueles tempos nenhuma cidade podia considerar-se moderna sem ser entrecortada por uma ou mais linhas de trem. Com Fortaleza não foi diferente, mesmo porque o acesso da cidade à crescente produção do interior do Estado tornava urgente a implantação de um moderno sistema de transporte, principalmente de carga. Fortaleza presenciou a chegada do primeiro trem com entusiasmo e excitação. Quem conta é Raimundo Menezes:

"No dia 3 de agosto de 1873, cerca de 8.000 fortalezenses - a quase totalidade da população da capital cearense de então! - vieram, meio assombrados, assistir, na rua do Trilho de Ferro, hoje Tristão Gonçalves, à passagem barulhenta do primeiro trem que andou espantando todo mundo, na via pública, com o seu apitar estridente e esquisito. Naquela tarde, dava-se a experiência da locomotiva "Fortaleza". Diante da multidão basbaque, o pequenino trem, com um êxito surpreendente, rodou, cinco vezes, seguidamente, sob os mais entusiásticos aplausos, entre a estação Central, localizada no antigo Campo d'Amélia, atual praça Castro Carreira".

Movimento na Estação Central no final do século XIX

A Estação de Fortaleza da Estrada de Ferro de Baturité (Estação João Felipe) foi projetada e construída com planta do engenheiro Henrique Foglare, no local do antigo cemitério de São Casemiro praticamente com mão de obra dos retirantes da seca de 1877. A obra teve sua pedra fundamental lançada em 30 de novembro de 1873, mas somente foi iniciada em 1879, sendo, assim, inaugurada em 9 de junho de 1880, em frente ao antigo "Campo da Amélia", atual Prala da Estação.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Algum progresso

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A expansão da cultura do algodão produzido no Ceará em função da demanda externa, foi o fator gerador de um surto de crescimento econômico no Estado que, a essa altura, já contava com uma população numerosa e se debatia com o problema das secas. O porto de Fortaleza exportava o produto para a Inglaterra, e daí em diante a cidade passou a exercer de fato seu papel de capital e sede do poder. Essa condição se intensifica com a implantação das ferrovias, que estabeleceram o fluxo de escoamento da produção agrícola e pastoril do interior até o porto de escoamento na capital. Além disso, a centralização político-administrativa ocorrida principalmente a partir do Segundo Reinado (1840-1889) contribuiu para que Fortaleza assumisse uma posição de maior importância em relação ao interior cearense.

Na observação do jornalista e pesquisador Paulo Linhares, "é a partir do segundo reinado, quando os presidentes de províncias passam a ser verdadeiros agentes do poder central, que melhoram os indicadores econômicos da cidade em relação a Aracati e começamos a sentir uma cidade nova na sua repartição dos homens no espaço, nos seus deslocamentos, na construção e distribuição de seus edifícios públicos e no estabelecimentos de espaços e vias. Estas mudanças estavam, com maior ou menor rigor, ligadas a uma necessidade de racionalização das ações econômicas e à submissão dos cidadãos a certas obrigações sociais, graças às quais uma ordem social se impõe.".

Todos esses fatores econômicos foram responsáveis pelo surgimento de uma elite de perfil cosmopolita, que começava a exigir e, ao mesmo tempo, criar novos padrões culturais no seio da, até então, tímida Fortaleza.

Primeira planta fidedigna da cidade, elaborada por Adolfo Herbster em 1859

Seria o carioca de Niterói, Antonio Rodrigues Ferreira, radicado em Fortaleza a partir de 1825, que daria prosseguimento a implantação do traçado em xadrez, dirigindo a expansão da cidade para o lado Sul, Praça da Sé ou Largo da Matriz e Praça do Ferreira. Como presidente da Câmara de Fortaleza, Ferreira obedeceu tenazmente, o projeto do Engenheiro Silva Paulet quanto a expansão urbana regular de Fortaleza, modelo de fácil adaptação em função da topografia plana da região. Contratou como seu auxiliar o arquiteto Adolfo Herbster, para dá continuidade ao direcionamento da moderna malha urbana. O disciplinamento da expansão da cidade foi fielmente obedecido, proibindo-se a abertura de becos estreitos e/ou em deflexões.

Foi a partir desse momento que a “Feira Nova”, antiga denominação da Praça do Ferreira, assumiu lugar de destaque no cenário urbano de Fortaleza. Na avaliação do memorialista Mozart Soriano Aderaldo, o logradouro passaria, com Ferreira, por “um acelerado desenvolvimento, o que ensejou fosse o centro da cidade deslocado da Praça da Sé para a futura Praça do Ferreira, nome que muito justamente tomou depois de ter sido Praça Municipal e Praça Pedro II. Ali promovia ele o “entrudo”, o carnaval daqueles recuados anos, e imaginava mil e um pretextos a fim de chamar a atenção de todos para o seu logradouro, porque mister se faz relembrar que a ‘Feira Nova’ se localizava, naquele tempo, em mero arrabalde da capital cearense.”.

Entre os anos de 1846 e 1877 a cidade passa por um período de notável enriquecimento e melhoria das condições urbanísticas e a execução de diversas obras, tais como a criação do Liceu do Ceará e o Farol do Mucuripe em 1845, Santa Casa de Misericórdia em 1861, Seminário da Prainha em 1864, Biblioteca Pública em 1867 e a Cadeia Pública em 1870. Alguns anos depois teve início a construção da Estrada de Ferro de Baturité. Somente em 1848, quando Fortaleza tinha por volta de 5.000 habitantes, foi instalada a iluminação pública, a azeite de peixe, e somente em 1867 a cidade passou a contar com uma iluminação pública a hidrogênio carbonado.

Retrato da cidade

O mais importante registro do que era Fortaleza nesse período foi feito pelo engenheiro pernambucano Adolfo Herbster em sua “Planta Exacta da Capital do Ceará”, de 1859, a pedido do Governador Sampaio. Segundo Raimundo Girão, “evidencia-se, por esse exame, que o conjunto urbano não pudera vencer as areias que o cercavam. O núcleo edificado, para oeste, não ia além da atual Rua Senador Pompeu... Para o sul morriam as ruas, já bastante rarefeitas, na atual Pedro Pereira. Distante, na Praça Clóvis Beviláqua dos dias atuais, achava-se o matadouro. Somente através de caminhada suarenta, era possível chegar à Lagoa do Garrote, que um dia se havia de transformar no Parque da Liberdade (Cidade da Criança). Ao lado direito do Parque, nenhum progresso apreciável.”.

Levantamento realizado, nessa mesma época, pelo Senador Pompeu e publicado em 1863 dava conta que “a população da cidade, inclusive os subúrbios, ocupados por palhoças, seria de 16 mil habitantes. Apenas 960 casas de tijolo e telha, ocupando unicamente oito ruas ‘muito direitas, espaçosas e calçadas’. Mas oito já eram as suas praças.”.

Em 1866, o suíço Louis Agassiz, autor de A journey in Brazil, escreveu suas impressões sobre Fortaleza: "gostei do aspecto da cidade do Ceará. Agradaram-me as ruas largas, limpas, bem calçadas, ostentando toda sorte de cores, pois as casas que as ladeiam são pintadas dos mais ousados tons. Aos domingos e dias de festas, todas as sacadas se enchem de alegres toilettes e grupos masculinos enchem as calçadas, conversando e fumando. Ceará não tem esse ar triste e sonolento de muitas cidades brasileiras. Sente-se, aqui, movimento, vida e prosperidade".

Mapa elaborado pelo doutor Pedro Theberge em 1861, no qual, pela primeira vez, aparece a denominação de "Fortaleza" para identificar a capital cearense

O progresso de Fortaleza tornou-se mais dinâmico a partir de 1866, com a abertura de uma linha de navios diretamente para a capital do Império, ao mesmo tempo em que ocorriam melhorias das vias de comunicação com o interior do Estado. Fator fundamental foi a implantação da estrada de ferro que, partindo de Fortaleza, atingia Sobral em 1882, Quixadá em 1891, Iguatu em 1910, Crateús em 1912 e o Crato em 1926, deixando a maior parte do sertão sob influencia da capital. Assim, a ampliação da função comercial de fortaleza nessa época deve-se à expansão da cultura do algodão, nas serras e no sertão, e à implantação do sistema ferrviário.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Um novo rumo

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A recém-instituída capital do Ceará chega ao século XIX com uma população de poucas centenas de habitantes. Este é o ponto de inflexão no desenvolvimento de Fortaleza. O aumento da atividade comercial, inclusive direto com a Europa, levou à melhoria da estrutura administrativa da vila, principalmente com a criação, em 1812, da Alfândega de Fortaleza.

Para o inglês Henry Koster, que visitou a vila em 1810, Fortaleza tinha como problema central a sua construção em terreno arenoso e a ausência de rio e cais, além de suas praias terem vagas violentas, tornando o desembarque difícil. Outras dificuldades eram a ausência de transporte e porto, além do pesadelo das secas. Destacava que as residências só possuíam o pavimento térreo e as ruas e praças não eram calçadas. O visitante também ressaltava a existência do Palácio Governamental e da Câmara, a Tesouraria, além de pequenas edificações públicas como a Alfândega e três igrejas. A vila de Fortaleza tinha apenas 1.200 habitantes, quatro ruas centrais e um comércio precário.


A "Planta do Porto e Villa da Fortaleza" (figura abaixo), elaborada em 1813 pelo português de descendência francesa, Antônio José da Silva Paulet, mostra um novo arruamento na cidade, cuja orientação, em retângulo, representava um projeto para as mudanças que seriam adotadas e para a nova cidade que se pretendia construir nas próximas décadas. Com as ruas da cidade numa disposição em forma de xadrêz, cortando-se em ângulos de 90 graus, o plano de Silva Paulet seria o balizador da expansão futura de Fortaleza. Contudo, a realidade do desenho urbano da pequena Fortaleza, nas duas primeiras décadas do século XIX, ainda era muito precária e pode ser observada nos detalhes da "Planta da Villa da Fortaleza e seu Porto" que ele apresentaria em 1818 (ver mapa acima).


Segundo o historiador Raimundo Girão, o engenheiro Silva Paulet com “o seu plano, a um só tempo de remodelação e ampliação, tirou, providencialmente, da desordem para uma orientação lógica a pequena capital, exatamente na fase de ressurgimento que ela ensaiava”... “Corrigindo na sua planta, quando possível, os erros existentes, o esclarecido engenheiro desprezou o sentido velho do crescimento da vila e, de modo resoluto, puxou-o para o estilo quadrangular, que a tanto se prestava a natureza relativamente plana do terreno.”.

Em 17 de março de 1823, Fortaleza é elevada pelo Imperador D. Pedro I à condição de cidade, mais precisamente sob a denominação de Cidade da Fortaleza de Nova Bragança. Esse topônimo pouco durou e logo a cidade reassumiu seu nome anterior, ou seja, Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Nas décadas seguintes, continuou convivendo com problemas como a inexistência de um cais, dificuldades de desembarque, o areal incômodo, condições sanitárias precárias e surtos epidêmicos.

Os confederados

Em 1823, as ideias republicanas dominavam o nordeste e se acentuaram em face das ameaças do Imperador que, com a Constituição outorgada em 1824, impôs ao país um estado unitário. Pernambuco não aceitou essa Constituição e em 2 de julho de 1824 proclamou a Confederação do Equador (movimento republicano e separatista que uniu Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte). O objetivo era formar um novo estado separado do Império, cujas bases eram um governo representativo e republicano, garantindo a autonomia das províncias confederadas.

Mas a repressão ao movimento, preparada no Rio de Janeiro, enviou várias tropas ao Nordeste e, em setembro de 1824, dominaram Recife e Olinda (principais centros de resistência), e dois meses depois foi a vez do Ceará.

As penas impostas aos revoltosos foram severas e D. Pedro não atendeu aos pedidos para que elas fossem mudadas. Os principais líderes, entre eles Padre Mororó, Francisco Ibiapina, Feliciano Carapinima, Azevedo Bolão e Pessoa Anta, foram executados em fuzilamentos precedidos por cortejos que saíam da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção e seguiam pela rua Conde D’Eu, Igreja do Rosário, Praça do Ferreira, rua Floriano Peixoto, encerrando no então Campo da Pólvora, hoje Passeio Público.

Tempos precários

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A Carta Régia que autorizou a criação da Vila do Ceará ou de são José do Ribamar em 1699 originou muitas contendas em torno de uma questão fundamental: onde instalar o Pelourinho, coluna de pedra ou madeira simbolizando a autonomia municipal. Os desentendimentos entre as autoridades levaram à decisão de elevar Aquiraz à condição de vila e sede da Capitania em 1713. Assim, somente graças aos ataques indígenas desferidos em Aquiraz é que Fortaleza, em 13 de abril de 1726, finalmente foi denominada de Vila de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção.

A condição de vila não foi suficiente para garantir a sustentação econômica de Fortaleza, isolada do interior, onde se desenvolvia a chamada civilização do couro e do gado. Dependente de Aracati comercialmente, Fortaleza continuou sem expressão político-econômica até o final do século, quando a Capitania do Ceará foi desmembrada de Pernambuco e Fortaleza escolhida capital.

Na opinião do pesquisador Clovis Ramiro Jucá Neto, "por todo o Setecentos, os documentos cearenses revelam o incômodo causado pela ausência de técnicos - engenheiros, mestres de obras e carpinteiros, dentre outros - e de instrumentos que viabilizassem a delimitação dos termos das vilas, a implantação dos núcleos, a construção das casas de câmara e cadeia, ou que atribuíssem ao forte da vila de Fortaleza outra imagem que não fosse a de ruína".

Essa reprodução, baseada no primeiro desenho da Vila, elaborado pelo Capitão-mor Manuel Francês em 1726, mostra algumas poucas edificações rústicas e precárias, que foram construídas de forma dispersa nas margens do Pajeú

A título de ilustração, vale mencionar um trecho da carta em que o Capitão-mor do Ceará Grande, João Baptista de Azevedo, informa, em 12 de março de 1783, o estado em que achou a Capitania:

“A Fortaleza, única defesa de toda aquela Capitania, não é mais que um monte de areia, em que se acha muito mal fabricado um aquartelamento, e doze peças muito arruinadas, sem mais reparo, estacada, nem parapeito. Consta a guarnição de cento e quatorze homens de Infantaria, e doze de Artilharia, todos descalços e quase nus, porque o mais bem vestido está em camisa e ceroulas, não se lhes paga a consignação destinada para se fardarem, e o pagamento do soldo anda muito atrasado; não há petrechos alguns de artilharia, e das armas por acaso alguma se acha em termos de servir. A farinha com que são municiados é pobre, e assim mesmo se dá aos soldados pelo preço de 1920 réis o alqueire... Que na casa destinada para a enfermaria não há cousa alguma do que é necessário para aquele efeito. A Villa chamada de Fortaleza não merece nem o nome de aldeia”...

Mas, segundo José Liberal de Castro, a sobrevivência do pequeno povoamento fazia-se necessária, pois “o mar, em frente as terras cearenses, principalmente mais para o noroeste da Fortaleza, sofre calmarias temporárias. Os ventos sopram semestralmente em sentidos contrários. Assim, uma caravela que do Pará demandasse a Pernambuco teria muitas vezes de esperar seis meses para partir. Em algumas ocasiões, seria mais rápido ir à Lisboa, para de lá retornar às outras partes do Brasil. Por consequência de tal fenômeno, nasceria o interesse de se manter uma povoação fortificada na costa cearense, onde as naus pudessem fazer eventual aguada ou, em caso extremo, descer a terra, continuar a viagem, palmilhando a praia pelo menos até o Punaré, que é o rio Parnaíba, entre o Piauí e o Maranhão. A essa condição especial de local de Baldeação é que a Fortaleza deve a sua existência”.

Os primeiros colonizadores

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Uma das capitanias hereditárias criadas na época da colonização portuguesa, a Capitania do Ceará praticamente foi relegada por seu donatário, Antônio Cardoso de Barros. Apenas índios habitavam o sítio onde viria a surgir Fortaleza.

Somente em 1603, o açoriano Pero Coelho de Souza, acompanhado de Martim Soares Moreno, veio ao Ceará numa fracassada bandeira, onde ali Martim fez amizade com os índios locais, aprendendo os dialetos e familiarizando-se com costumes nativos. Pero construiu o forte de São Tiago, na barra do rio Ceará, ao lado do qual surgiu o povoado de Nova Lisboa.

Martim Soares Moreno encontra-se como tenente do forte dos Reis Magos, no Rio Grande, em 1609, fazendo incursões pelo litoral cearense, combatendo traficantes. Em fins de 1611, acompanhado de um padre e de seis soldados, o capitão português Martim Soares Moreno regressou ao Ceará para efetivar a posse da capitania, fundando na Barra do Ceará, com ajuda dos índios de Jacaúna, um pequeno forte - o de São Sebastião - no mesmo local, mais precisamente junto à ermida de Nossa Senhora do Amparo.

A Capitania do Ceará esteve subordinada ao Estado do Maranhão e Grão-Pará, e depois a Pernambuco, além de ter sido alvo da cobiça colonialista européia.

Em 1637 chegou ao Ceará a primeira expedição holandesa, que ocupou o semi-abandonado forte de São Sebastião, onde permaneceu por sete anos explorando sal e âmbar gris, até que seus integrantes foram dizimados pelos índios. 0utra expedição holandesa, comandada por Matias Beck, desembarcou em 1649 no Mucuripe e construiu então o forte Schoonenborch, na embocadura do rio Pajeú, para defender-se dos nativos aliados dos portugueses, ali permanecendo também por sete anos. Assim que os invasores foram expulsos, o forte foi apropriado pelos portugueses e redenominado de Forte de Nossa senhora da Assunção.

Entre 1660 e 1698 houve o surgimento de um acanhado povoado, no qual foi erigida uma capela dedicada a Nossa Senhora da Assunção, além de uma praça de armas.

Pré-História de Fortaleza

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Antes da divisão dos continentes e o surgimento do Oceano Atlântico a área onde Fortaleza surgiu era contígua à da cidade de Lagos, na Nigéria. O atual litoral das duas cidades surgiu há 150 milhões de anos, no Jurássico Superior. A evolução geológica provocou o surgimento de grandes dunas no litoral do Brasil.


Estudos indicam que os primeiros seres humanos a habitarem esse território podem ter chegado por aqui na mesma época em que Jesus Cristo viveu. O povo indígena mais identificado com o território de Fortaleza é o pitiguara, retratado por José de Alencar em seu livro Iracema. Os potiguaras também habitaram as terras desse litoral e possivelmente outras tribos pertencentes ao tronco tupi.

Antes da colonização do Ceará, houve, no entanto, duas passagens de europeus pelo atual litoral de Fortaleza. Os navegadores espanhóis Vicente Yáñez Pinzón e Diego de Lepe desembarcaram nas costas cearenses antes da viagem de Pedro Álvares Cabral ao Brasil. Tais descobertas não puderam ser oficializadas devido ao Tratado de Tordesilhas (1494).

Mapa holandês baseado em original francês de 1703, no qual vemos o registro de Rostro Hermoso (R. Ermoso) como denominação oficial da ponta do Mucuripe

Segundo o historiador Raimundo Girão, o livro a Proto-História Cearense, de Tomás Pompeu Sobrinho, convence pela verdade de sua proposição: um autêntico e sério revisionismo deste ponto de vista da história brasileira. Tanto Pompeu quanto Girão apontam não apenas uma, mas duas expedições espanholas chegadas ao Brasil antes de Pedro Álvares Cabral. A primeira foi a frota chefiada por Vicente Yáñez Pinzón, que aportou no Ceará e desembarcou duas vezes em fevereiro de 1500, uma no cabo de Santa Maria - na Ponta Grossa ou da Jabarana - no litoral de Aracati e outra no Mucuripe, onde fincou uma cruz.

A segunda expedição pré-cabralina foi a de Diogo de Lepe, que saiu do mesmo porto de Palos um mês depois de Vicente Pinzón, com duas caravelas. Ele (Lepe) aportou nas águas do Rio Grande do Norte, seguindo depois até a ponta do calcanhar. Posteriormente, seguiu na direção norte, onde foi encontrar a cruz fincada por Pinzón. Diogo de Lepe denominou de Rostro Hermoso o local, uma referência a Santa Verônica, homenageada neste dia pelo calendário. Era exatamente a ponta do Mucuripe, local do segundo desembarque de Pinzón, para onde viera após chegada na Ponta Grossa, cuja terra achara “árida e os índios hostis.

Mapa Alemão de 1757 em que aparece, pela primeira vez, uma menção ao Mucuripe (Spitze Mocoripe) e à Ponta Grossa ou Jabarana (Spitze Agebarana)

Vale ressaltar que existe, ainda, uma polêmica de muitos anos de que o holandês Matias Beck foi o verdadeiro fundador de Fortaleza, já que foi ele quem construiu a primeira fortificação no local onde hoje está erguido o prédio da 10ª Região Militar.