quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Fortaleza na Belle Époque

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A elite formada notadamente por comerciantes e profissionais liberais vindos de outras regiões brasileiras e do exterior ajudou a promover mudanças importantes em Fortaleza. De influência europeia e guiada por ideais de civilidade, esse contingente teve atuação destacada. O período da vida da cidade compreendido entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX, que foi amplamente influenciado pelas ideias de modernidade estética e comportamental, especialmente francesas, ficou conhecido como Belle Époque.

Como explica Sebastião Rogério Ponte, Belle Époque é um “termo francês cunhado para traduzir a euforia européia com as novidades decorrentes da revolução científico-tecnológica (1850-1870 em diante). Com efeito, esse período, momento fundante do nosso mundo contemporâneo, é marcado por um intenso fluxo de mudanças que não só produziu transformações de ordem urbana, política e econômica, como também afetou profundamente o cotidiano e a subjetividade das pessoas, alterando seus comportamentos e condutas, seus modos de perceber e de sentir”.

Jardins 7 de Setembro na Praça do Ferreira. (Cartão colorizado do início do Século XX)

Segundo Rogério Ponte, "no que toca a Fortaleza, o processo remodelador que significou sua inserção na belle époque teve como base econômica as grandes exportações de algodão, através de seu porto, a partir da década de 1860. Daí em diante, a capital cearense acumulou capital, expandiu-se em todos os sentidos – comercial, populacional, espacial, cultural etc. – e tornou-se, ainda no final do século XIX, o principal centro urbano do Ceará e um dos oito primeiros do Brasil. Empolgados com esse crescimento, a burguesia enriquecida com as vendas do algodão, negociantes estrangeiros radicados na cidade, médicos e demais elites políticas e intelectuais procuraram modernizar a cidade por meio de reformas e empreendimentos que a alinhassem aos padrões materiais e estéticos das grandes metrópoles ocidentais."

Rua Barão do Rio Branco no início do século XX

"Fortaleza inicia sua belle époque na década de 1880 mesmo, absorvendo com imediatez algumas inovações que acabavam de despontar nos centros de referência, o que demonstra o estreito contato que a capital tinha com a Europa."

A cidade incorporou equipamentos urbanos (bondes, fotografia, telégrafo, telefone, praças, boulevards e cafés) que causaram sensação. O Passeio Público, no Centro, foi um deles. Com jardins floridos, árvores frondosas, lagos artificiais, estátuas de deuses mitológicos e visão privilegiada do mar, o espaço virou ponto de encontro das elites, sendo passarela para o desfile de elegantes e cenário de sociabilidade.

Início da Rua Major Facundo, no Passeio Público, onde vemos, à direita, o Hotel de France no começo do século XX

A Praça do Ferreira recebeu amplos jardins - com gradil e adornos idênticos ao do Passeio Público - e cafés ao estilo francês. Frequentadores desses cafés (Java, Fênix, Bien-Bien Garapière, do Comércio) contemplavam fascinados os jardins da Praça do Ferreira, enquanto as senhoras renovavam os seus guarda-roupas nas famosas lojas Maison Art-Nouveau e Torre Eiffel.

Fortaleza se encheu de sobrados, palacetes e mansões que ornamentaram o novo perfil urbano da cidade. A exemplo de outras cidades ditas civilizadas, Fortaleza tinha a Cidade Luz como referência de modernidade. Dessa forma, a Capital foi arrebatada por uma febre de afrancesamento. Ser moderno era acompanhar as modas vindas de Paris, usar expressões em francês e abrir lojas com nomes franceses.

Cartão postal colorizado à mão no qual se vê a Rua Major Facundo, na altura da Praça do Ferreira, em 1909

O período que se seguiu à proclamação da República foi marcado por anos politicamente conturbados e o Ceará viveu os reflexos desses tempos de golpes e revoltas. O governador José Clarindo de Queiroz foi deposto em 16 de fevereiro de 1892 pela força do golpe de Floriano Peixoto, que queria fora dos governos estaduais todos os aliados de Deodoro da Fonseca. Alunos da escola militar e da marinha, usando canhões e metralhadoras, cercaram o palácio do governo e exigiram a renúncia do governador. Clarindo de Queiroz dispôs- se a resistir. Na manhã de 17 de fevereiro, com o palácio crivado de balas, Clarindo de Queiroz, sem munição, rendeu- se e entregou o cargo ao Coronel Bezerril, então comandante do Colégio Militar de Fortaleza.

Em 16 de fevereiro de 1892, militares armados preparam-se para atacar o palácio do governo e exigir a renúncia do governador Clarindo de Queiroz. (Este é, possivelmente, o registro mais antigo de uma cena urbana de Fortaleza).

Após o movimento armado que depôs Clarindo de Queirós, o Vice-Governador Major Benjamin Liberato Barroso, em 18 de fevereiro de 1892, dissolveu o Congresso Constituinte Cearense e convocou um novo Congresso com poderes ilimitados e constituintes para reorganizar o Estado do Ceará sobre as bases da Constituição promulgada a 16 de junho de 1891.

Mas, segundo Raimundo Girão, “é no terreno espiritual e cultural que vem acentuar-se a estimulação francesa, principalmente graças aos fluxos de duas eficientes instituições de ensino e educação: o Seminário Arquidiocesano e o Colégio da Imaculada Conceição, ambos em Fortaleza.”.

O Pão do Espírito

Nas duas últimas décadas do século XIX Fortaleza viveu movimentos sociais e culturais marcantes como a Padaria Espiritual e o movimento abolicionista, nas décadas de 1870 e 1880 que culminou na libertação dos escravos no Ceará, em 25 de março de 1884, quatro anos antes de a abolição ser oficialmente decretada em todo o país, em 13 de maio de 1888.

Fac-símile do jornal "O Pão" editado pela Padaria Espiritual

Foi nesse período de efervescência cultural e política que surgiram os famosos cafés na Praça do Ferreira, praça que juntamente com o Passeio Público eram os principais pontos de diversão dos jovens fortalezenses, assim como local de reunião de intelectuais e artistas.

O movimento literário Padaria Espiritual, surgido em 30 de maio de 1892, foi pioneiro na divulgação de ideias modernas na literatura no Brasil. Tinham por influencia grandes nomes da literatura nacional e mundial. A cada domingo, um jornalzinho de oito páginas chamado O Pão era "amassado" e distribuído à população.

Café Java, berço do movimento Padaria Espiritual

Tida por eles próprios como uma agremiação de rapazes e letras, a Padaria nasceu em um famoso quiosque da Praça do Ferreira, o Café Java. Antônio Sales idealizador e o responsável principal pela originalidade da agremiação junto a Lopes Filho, Ulisses Bezerra, Sabino Batista, Álvaro Martins, Temístocles Machado e Tibúrcio De Freitas compunham o grupo dos que frequentavam o Café Java e fundaram a agremiação.

O programa de instalação foi escrito por Antônio Sales o qual foi transcrito em um jornal da então capital federal, o Rio de Janeiro, o que deu notoriedade ao movimento. Seu lema era "alimentar com pão o espírito dos sócios e da população em geral". Os Padeiros fizeram circular 36 números de O Pão, até que em dezembro de 1898, depois de seis anos de atividades, a Padaria fecha.

No centro da Foto, sentado à esquerda da mesa, o poeta Antônio Sales. Do outro lado da Mesa, Waldemiro Cavalcante. Em pé, entre os dois, Rodolfo Teófilo. Á esquerda de Rodolfo Teófilo, o escritor José Nova, e na estrema esquerda, Papi Júnior. (Acervo do MIS)

Paralelamente ao movimento da Padaria acontece a fundação da Academia Cearense de Letras, 15 de agosto de 1896. Trata-se da primeira Academia de Letras do país, antes, portanto da fundação da própria Academia Brasileira de Letras.

No entendimento do professor Geraldo Nobre "a iniciação literária, no Ceará, liga-se ao Liceu, que começou a funcionar em 1845, mais do que a influências exteriores, e, por motivos óbvios, teve nos jornais o instrumento principal, visto como os jovens não dispunham de meios para publicar livros. O movimento alcançou maior intensidade no decênio 1870-1879, quando o cearense José de Alencar, na Corte, já se havia firmado como um dos mais insignes homens de letras do Império oferecendo-se à imitação de seus conterrâneos".

26 comentários:

  1. Apesar de não ter vivido nessa época é muito interessante ver um pouco de minha cidade antigamente

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  2. É muito legal que a juventude de hoje veja que antigsmente é mais interessante do que hoje

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  3. muito interessante e importante sabermos da história da cidade!1

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  4. Era uma época mais viril.

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  5. Parte mais fascinante que acho da historia de Fortaleza,,a Belle Epoque.!! ^^

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  6. gosto muito da historia de nossa cidade,e como era bela que pena esse tempo não volta mais.

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  7. Muito bom, explica tudo o que eu precisava saber!

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  8. A CIDADE NESSA ÉPOCA ERA LINDA ! PENA QUE O FUTURO SE TORNOU ESSE DESASTRE QUE É HOJE, PENA QUE UMA CIDADE TÃO BONITA TENHA SE TORNADO TÃO FEIA, SUJA E DECADENTE,ONDE OS PRÉDIOS SÃO PICHADOS E OS MONUMENTOS DEPREDADOS, ONDE TUDO É VANDALIZADO, SEJA POR ESTUPIDEZ OU IGNORÂNCIA.O POTENCIAL DESSA CIDADE ERA MUITO GRANDE ! PENA QUE GRANDE PARTE DO POVO NÃO TENHA CONSCIÊNCIA DISSO E CONTINUEM SUJANDO, DEPREDANDO E DESTRUINDO SUA PRÓPRIA CIDADE!

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  9. Muito mais interessante... Gostaria ter ter vivido nesse tempo!

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  10. Gostaria de receber indicações de livros sobre a história de Fortaleza, principalmente dos transportes públicos

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  11. é formidável saber que a praça do Ferreira era ponto de encontro dos artistas e intelectuais da época,me bateu ate uma tristeza ao ver como era antigamente as ruas e praças e ter que conviver com oque restou hoje caramba ate sua própria historia a ignorancia é capaz de destruir.

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  12. Muito bom o trabalho de vocês de divulgar como era Fortaleza antigamente. Parabéns !

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  13. Você tem o verso do Cartão Postal de 1909?

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